Autor: Léon Denis. Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor
"Cada
encarnação encontra, na alma que recomeça vida nova, uma cultura
particular, aptidões e aquisições mentais que explicam sua facilidade
para o trabalho e seu poder de assimilação; por isso dizia Platão:
“Aprender é recordar-se!”
Nossa ternura espontânea por certos seres deste mundo explica-se
facilmente. Já os havíamos conhecido, em outros tempos, já os
encontráramos. Quantos esposos, quantos amantes não têm sido unidos por
inúmeras existências, percorridas dois a dois! Seu amor é indestrutível,
porque o amor é a força das forças, o vínculo supremo que nada pode
destruir.
As condições da reencarnação não permitem que nossas situações
recíprocas se invertam; quase sempre se conservam os graus respectivos
de parentesco. Algumas vezes, em caso de impossibilidade, um filho
poderá vir a ser o irmão mais novo do seu pai de outros tempos, a mãe
poderá renascer irmã mais velha do filho. Em casos excepcionais, e
somente a pedido dos interessados, podem inverter-se as situações. Os
sentimentos de delicadeza, de dignidade, de mútuo respeito que sentimos
na Terra não podem ser desconhecidos no mundo espiritual. Para supô-lo, é
preciso ignorar a natureza das leis que regem a evolução das almas!
O Espírito adiantado, cuja liberdade aumenta na razão direta da sua
elevação, escolhe o meio onde quer renascer, ao passo que o Espírito
inferior é impelido por uma força misteriosa a que obedece
instintivamente; mas todos são protegidos, aconselhados, amparados na
passagem da vida do espaço para a existência terrestre, mais penosa,
mais temível que a morte.
A união da alma com o corpo efetua-se por meio do invólucro fluídico, o
perispírito, de que muitas vezes temos falado. Sutil por sua natureza,
vai ele servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está presa
ao gérmen por esse “mediador plástico”, que vai retrair-se, condensar-se
cada vez mais, através das fases progressivas da gestação, e formar o
corpo físico. Desde a concepção até o nascimento, a fusão opera-se
lentamente, fibra por fibra, molécula por molécula. Pelo afluxo
crescente dos elementos materiais e da força vital fornecidos pelos
genitores, os movimentos vibratórios do perispírito da criança vão
diminuir e restringirem-se, ao mesmo tempo em que as faculdades da alma,
a memória, a consciência esvaem-se e aniquilam-se. É a essa redução das
vibrações fluídicas do perispírito, à sua oclusão na carne que se deve
atribuir a perda da memória das vidas passadas. Um véu cada vez mais
espesso envolve a alma e apaga-lhe as radiações interiores. Todas as
impressões da sua vida celeste e do seu longo passado volvem às
profundezas do inconsciente e a emersão só se realiza nas horas de
exteriorização ou por ocasião da morte, quando o Espírito, recuperando a
plenitude dos seus movimentos vibratórios, evoca o mundo adormecido das
suas recordações.
O papel do duplo fluídico é considerável; explica, desde o nascimento
até a morte, todos os fenômenos vitais. Possuindo em si os vestígios
indeléveis de todos os estados do ser, desde a sua origem, comunica-lhe a
impressão, as linhas essenciais ao gérmen material. Eis aí a chave dos
fenômenos embriogênicos.
O perispírito, durante o período de gestação, impregna-se de fluido
vital e materializa-se o bastante para tornar-se o regulador da energia e
o suporte dos elementos fornecidos pelos genitores; constitui, assim,
uma espécie de esboço, de rede fluídica permanente, através da qual
passará a corrente de matéria que destrói e reconstitui sem cessar,
durante a vida, o organismo terrestre; será a armação invisível que
sustenta interiormente a
estátua humana. Graças a ele, a individualidade e a memória
conservar-se-ão no plano físico, apesar das vicissitudes da parte
mutável e móvel do ser, e assegurarão, do mesmo modo, a lembrança dos
fatos da existência presente, recordações cujo encadeamento, do berço à
cova, fornece-nos a certeza íntima da nossa identidade.
A incorporação da alma não é, pois, subitânea, como o afirmam certas
doutrinas; é gradual e só se completa e se torna definitiva à saída da
vida uterina. Nesse momento, a matéria encerra completamente o Espírito,
que deverá vivificá-la pela ação das faculdades adquiridas. Longo será o
período de desenvolvimento durante o qual a alma se ocupará em pôr à
sua feição o novo invólucro, em acomodá-lo às suas necessidades, em
fazer dele um instrumento capaz de manifestar-lhe as potências íntimas;
mas, nessa obra, será coadjuvada por um Espírito preposto à sua guarda,
que cuida dela, a inspira e guia em todo o percurso da sua peregrinação
terrestre. Todas as noites, durante o sono, muitas vezes até de dia, o
Espírito, no período infantil, desprende-se da forma carnal, volve ao
espaço, a haurir forças e alentos para, em seguida, tornar a descer ao
invólucro e prosseguir o penoso curso da existência.
Antes de novamente entrar em contacto com a matéria e começar nova
carreira, o Espírito tem, dissemos, de escolher o meio onde vai renascer
para a vida terrestre; mas essa escolha é limitada, circunscrita,
determinada por causas múltiplas. Os antecedentes do ser, suas dívidas
morais, suas afeições, seus méritos e deméritos, o papel que está apto
para desempenhar, todos esses elementos intervêm na orientação da vida
em preparo; daí a preferência por uma raça, tal nação, tal família. As
almas terrestres que havemos amado atraem-nos; os laços do passado
reatam-se em filiações, alianças, amizades novas. Os próprios lugares
exercem sobre nós a sua misteriosa sedução e é raro que o destino não
nos reconduza muitas vezes às regiões onde já vivemos, amamos, sofremos.
Os ódios são forças também que nos aproximam dos nossos inimigos de
outrora para apagarmos, com melhores relações, inimizades antigas.
Assim, tornamos a encontrar em nosso caminho a maior parte daqueles que
constituíram nossa alegria ou fizeram nossos tormentos. Sucede o mesmo
com a adoção de uma classe social, com as condições de ambiente e
educação, com os privilégios da fortuna ou da saúde, com as misérias da
pobreza. Todas essas causas tão variadas, tão complexas, vão combinar-se
para assegurar ao novo encarnado as satisfações, as vantagens ou as
provações que convêm ao seu grau de evolução, aos seus méritos ou às
suas faltas e às dívidas contraídas por ele.
Dito isso, compreender-se-á quão difícil é a escolha. Por isso, na
maioria das vezes ela nos é inspirada pelas Inteligências diretoras, ou,
então, em proveito nosso, hão de elas próprias fazê-lo, se não
possuirmos o discernimento necessário para adotar com toda a sabedoria e
previdência os meios mais eficazes para ativarem a nossa evolução e
expurgarem o nosso passado.
Todavia, o interessado tem sempre a liberdade de aceitar ou procrastinar
a hora das reparações inelutáveis. No momento de se ligar a um gérmen
humano, quando a alma possui ainda toda a sua lucidez, o seu Guia
desenrola diante dela o panorama da existência que a espera; mostra-lhe
os obstáculos e os males de que será eriçada, faz-lhe compreender a
utilidade desses obstáculos e desses males para desenvolver-lhe as
virtudes ou libertá-la dos seus vícios. Se a prova lhe parecer demasiado
rude, se não se sentir suficientemente armado para afrontá-la, é lícito
ao Espírito diferir-lhe a data e procurar uma vida transitória que lhe
aumente as forças morais e a vontade.
Na hora das resoluções supremas, antes de tornar a descer à carne, o
Espírito percebe, atinge o sentido geral da vida que vai começar, ela
lhe aparece nas suas linhas principais, nos seus fatos culminantes,
modificáveis sempre, entretanto, por sua ação pessoal e pelo uso do seu
livre-arbítrio; porque a alma é senhora dos seus atos; mas, desde que
ela se decidiu, desde que o laço se dá e a incorporação se debuxa, tudo
se apaga, esvai-se tudo. A existência vai desenrolar-se com todas as
suas conseqüências previstas, aceitas, desejadas, sem que nenhuma
intuição do futuro subsista na consciência normal do ser encarnado. O
Temíveis são certas atrações para as almas que procuram as condições de
um renascimento, por exemplo, as famílias de alcoólicos, de devassos, de
dementes. Como conciliar a noção de justiça com a encarnação dos seres
em tais meios? Não há aí, em jogo, razões psíquicas profundas e latentes
e não são as causa físicas apenas uma aparência? Vimos que a lei de
afinidade aproxima os seres similares. Um passado de culpas arrasta a
alma atrasada para grupos que apresentam analogias com o seu próprio
estado fluídico e mental, estado que ela criou com os seus pensamentos e
ações.
Não há, nesses problemas, nenhum lugar para a arbitrariedade ou para o
acaso. É o mau uso prolongado de seu livre-arbítrio, a procura constante
de resultados egoístas ou maléficos que atrai a alma para genitores
semelhantes a si. Eles fornecer-lhe-ão materiais em harmonia com o seu
organismo fluídico, impregnados das mesmas tendências grosseiras,
próprios para a manifestação dos mesmos apetites, dos mesmos desejos.
Abrir- se-á nova existência, novo degrau de queda para o vício e para a
criminalidade. E a descida para o abismo.
Senhora do seu destino, a alma tem de sujeitar-se ao estado de coisas
que preparou, que escolheu. Todavia, depois de haver feito de sua
consciência um antro tenebroso, um covil do mal, terá de transformá-lo
em templo de luz. As faltas acumuladas farão nascer sofrimentos mais
vivos; suceder-se-ão mais penosas, mais dolorosas as encarnações; o
círculo de ferro apertar-se-á até que a alma, triturada pela engrenagem
das causas e dos efeitos que houver criado, compreenderá a necessidade
de reagir contra suas tendências, de vencer suas ruins paixões e de
mudar de caminho. Desde esse momento, por pouco que o arrependimento a
sensibilize, sentirá nascer em si forças, impulsões novas que a levarão
para meios mais adequados à sua obra de reparação, de renovação, e passo
a passo irá fazendo progressos. Raios e eflúvios penetrarão na alma
arrependida e enternecida, aspirações desconhecidas, necessidades de
ação útil e de dedicação hão de despertar nela. A lei de atração, que a
impelia pa ra as últimas camadas sociais, reverterá em seu benefício e
tornar-se-á o instrumento da sua regeneração.
Entretanto, não será sem custo que ela se levantará; a ascensão não
prosseguirá sem dificuldades. As faltas e os erros cometidos repercutem
como causas de obstrução nas vias futuras e o esforço terá de ser tanto
mais enérgico e prolongado quanto mais pesadas forem as
responsabilidades, quanto mais extenso tiver sido o período de
resistência e obstinação no mal. Na escabrosa e íngreme subida, o
passado dominará por muito
tempo o presente e o seu peso fará vergar mais de uma vez os ombros do
caminhante; mas, do Alto, mãos piedosas estender-se- ão para ele e
ajudá-lo-ão a transpor as passagens mais escarpadas. “Há mais alegria no
Céu por um pecador que se arrepende do que por cem justos que
perseveram.” O nosso futuro está em nossas mãos e as nossas facilidades
para o bem aumentam na razão direta dos nossos esforços para o
praticarmos".
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